sábado, 4 de setembro de 2010

Uma nação chamada Flamengo - História de torcedor

Escrito por Eduardo Paixão - Flamengo RJ colunista do http://www.flamengorj.com.br




Coração rubro-negro

Essa é uma história como a de muitos brasileiros espalhados pelo nosso extenso território, influenciado por diversas culturas, etnias e religiões. Meu nome é José e fui acostumado por meu pai a viver e respeitar as diferenças, a demonstrar respeito pela diversidade de opiniões e raças que povoam nosso Brasil, compreender as escolhas de cada um mesmo que estas idéias sejam contrárias as minhas.

Meu pai percorreu uma trajetória de sofrimento e persistência até vencer na vida. Historia como a de muitos brasileiros que aqui estão. Nordestino, sem perspectivas em sua cidade natal, veio para o Rio de Janeiro a procura de emprego e oportunidades na vida. Fora bem recebido por uma cidade que expõe na própria pele essas diferenças, sejam elas culturais ou sociais. Cidade esta, que escancara a quem quer ver, o rico e o pobre, o preto e o branco. Cidade com muitos defeitos, mas que apreendeu a conviver com tudo isso, como um país de diferenças.

Eu sempre me recordo das palavras de meu pai ao falar sobre o assunto:

Pai: “Cheguei do Nordeste e vi uma cidade que tinha de tudo, de paulista a nordestino, de japonês ao europeu. Fui respeitado e foi lá que construí nossa vida. Por isso respeite a todos, seja ele rico ou pobre.”

Eu sempre procurei entender e corresponder a suas palavras, sempre respeitei os menos favorecidos porque sabia que vinha de baixo, minha atitude era independente de camada social. Quando cresci aprendi a respeitar a diversidade de opiniões.

Meu pai tinha uma paixão, era louco, alucinado pelo Flamengo. Sempre contava o momento que esta paixão veio à tona:

Pai: “Estava a seis meses no Rio, você ainda com 6 anos. Tinha um grande sonho de ir ao Maracanã e só consegui ir naquele maio de 1969 porque tinha me sobrado um dinheiro. Decidi ir ao maior clássico na época, Flamengo x Botafogo. O Flamengo era chamado de time de urubu de forma preconceituosa pelos torcedores rivais por ser um time de negros, devido a isso, de cara me simpatizei pelo flamengo. Mas ao entrar no maracanã com aquela massa de 150.000 torcedores lembro de me arrepiar dos pés a cabeça, nunca tinha presenciado aquilo. Foi amor à primeira vista. Sabia desde então que o flamengo acabava de carimbar de forma permanente presença no meu coração para o resto da vida. A torcida estava enlouquecida e antes da entrada dos jogadores no campo, eis que surge um urubu com uma bandeira do flamengo presa nos pés, ele sobrevoa a torcida do botafogo e pousa de forma magnífica no gramado para histeria total da torcida do Flamengo. Só me lembro de uma coisa, lágrimas percorreram meu rosto no exato momento que o flamengo entrava em campo. Eu que tinha aprendido que homem não chora, vi naquele momento que o amor não se escolhe, vi naquele momento que nós somos escolhidos por ele.” *

(* Baseado na história do Urubu no Flamengo)

Urubu entra definitivamente para história do Flamengo. Reprodução/acervo de Romilson Meirelles

Sempre que meu pai contava essa história me emocionava e devido ao grande respeito que tinha por ele, já tinha virado torcedor do mengão. Por obra do destino, meu pai, que tinha conseguido um emprego remunerado, fora transferido para Goiânia com a promessa de aumento e uma promoção. Com isso, saímos do Rio de Janeiro e mais uma vez nos mudamos de cidade. Eu, então com 12 anos, fui morar em Goiás. Com o passar do tempo e da minha adolescência fiquei afastado do flamengo. Meu pai, sempre um aficionado pelo rubro-negro, vivia colado no radio nos dias de jogo. Tenho que confessar que gostava do Flamengo, mas ainda não era como meu pai. Mas isso em breve iria mudar...

Foi no ano de 1978, eu já estava com 15 anos, meu pai chega com uma proposta:

Pai: Arruma as malas garoto, vamos ao Rio de Janeiro ver o Flamengo. Está na hora de conhecer o maracanã.

Filho: Quando pai?

Pai: Hoje mesmo. Já avisei sua mãe. O jogo é amanhã contra o Vasco no Maraca, final do carioca meu filho.

Me tremi todo. Ia conhecer finalmente o Maracanã. Não sei por que, mas fiquei abobado ali, parado sem me mexer. As visões da história do meu pai se confundiam com o momento presente.

Pai: Vamos Zé. Já fiz sua mala. Coloca a camisa do mengão e vamos.

Até hoje me lembro de todos os detalhes dessa nossa jornada. Fomos de carro até o Rio de janeiro, conversamos sobre todos os assuntos, eu e meu pai éramos muito amigos, mas nessa viagem o assunto era único, o Flamengo. Ele falou que tinha certeza que venceríamos, apesar do Vasco contar com o empate para o título. Ele tinha essa certeza, não sei como. Chegamos ao Rio e como todos que chegam ao Rio depois de um tempo fora, ficamos maravilhados com a cidade mais uma vez. Confesso que fiquei espantado e ao mesmo tempo nervoso com o jogo da final, e se perdêssemos? Eu seria o pé frio? Na frente do meu pai? Fomos para o hotel e esperamos o dia seguinte, o dia da final.

Chegara o grande dia. Meu pai me acordou com a camisa do mengão já vestida. E falou:

Pai: “Zé, levanta. Hoje é dia de final, de Maraca lotado. Hoje é dia de todo rubro-negro Brasil afora vestir o manto e torcer pelo Flamengo”

Ele me falava isso com grande orgulho e ao mesmo tempo, com a certeza da vitória. Nos arrumamos, almoçamos e fomos ao jogo.

Ao chegar do lado de fora do Maracanã vi o poder do Flamengo. Eram pessoas de todas as partes do Brasil. Tinha gente da Bahia, Pernambuco, Maranhão, Espírito Santo, São Paulo, região sul, centro-oeste, nordeste, ou seja, de todo Brasil. Ali vi que o flamengo é uma paixão nacional. Bateu uma vontade de chorar ao ver pessoas tão diferentes fazendo parte de uma mesma festa, foi ali que entendi o porque de sermos chamados de nação. Eu me sentia em casa com o manto rubro-negro. Meu pai então era uma alegria só. Parecia que estava em êxtase ao ver a torcida subindo o anel do Maracanã cantando o hino.

Entramos no estádio e já estava difícil de achar lugar, não importava sentar, todo mundo ia ter que ficar em pé mesmo para ver o jogo. Para mim não importava mais. O que eu estava vendo era tão sublime, tão mágico que realmente não conseguiria contemplar sentado e sim em pé, gritando e aplaudindo. Fiz a minha parte, gritei e cantei o primeiro tempo todo para orgulho do meu pai, naquela época eu já tinha um ídolo, seu nome era Artur, mas para todos nós flamenguistas, simplesmente Zico.

O jogo se arrastava no segundo tempo, o Flamengo não conseguia fazer seu gol. A torcida apoiava, mas parecia que aquele dia não iria acontecer nada. Parecia que aquele dia seria da torcida rival. Minha confiança começou a baixar. Começava a ficar cabisbaixo e a pensar na derrota ao lado do meu pai. Ele ao contrário, só motivava o time:

Pai: Vamos Flamengo. Ainda dá !! confio em vocês.

O jogo já passava dos 40 minutos do segundo tempo. A torcida do Vasco já gritava campeão. Nosso zagueiro Rondinelli perdera uma bola e quase Dinamite marca o gol deles. Um sofrimento só.

Eis que temos um escanteio a favor. Zico se aproxima para bater. Não acreditei:

Filho: Poxa ...42 do segundo tempo e colocam o Zico para bater ? Zico tinha que estar na área !!

Pai: Calma filho ... o galinho sabe o que faz !! vai ser agora o gol ... tem que ser agora.

Nesse momento vi meu pai agarrado a bandeira e a imagem de São Judas Tadeu que ele sempre levava ao Maracanã em jogos de final. O que descrevo agora foi um dos momentos de maior emoção que tive na vida.

Zico bateu o escanteio e a bola percorreu com extrema leveza toda área do Vasco. Lembro daquela imagem em câmera lenta, eu lá dentro do estádio, um silêncio perdurou enquanto a bola alçava vôo. A bola no ar como o urubu com a bandeira rubro-negra amarrada aos pés. Parece que ninguém irá alcançá-la, parece que não será dessa vez. Eis que surge um rubro-negro vindo lá de trás, ele percorre o gramado com raça e com fervor de encontro à bola. Uma cabeçada fulminante. Gol de Rondinelli pelo Flamengo. O maracanã explode em um único grito de milhares de torcedores. Uma verdadeira nação, de torcedores de todas as partes do Brasil e do mundo. Nunca me esquecerei daquele momento. Eu abraçado ao meu pai, vendo-o pela a primeira vez chorar, um choro de alegria, de emoção e como ele me falou mais tarde, de agradecimento a tudo que o mengão proporcionou a ele até aquele momento.

Mal eu sabia que depois da apoteose dessa vitória viriam os anos dourados do Flamengo onde ganharíamos tudo. Eu presenciei o inicio de uma era. Ao lado do meu velho. Agradeço ao Flamengo por tudo que me deu e principalmente a toda alegria que fez meu pai presenciar.

Alguns anos após esse dia meu pai viria a falecer de câncer. Na época ele já sabia da doença, mas não me contara até então.

Hoje guardo com extremo carinho todos os momentos dessa viagem e do orgulho que tenho de tudo que meu pai fez por mim. Sou um flamenguista nato, de coração, de raça e tenho muito orgulho do meu time como meu pai teve. Embora more longe do Rio, sou tão flamenguista como muitos por esse mundo afora.

Só tenho a dizer uma coisa, Obrigado Flamengo. O que faço por você hoje é de coração. Dou em troca tudo que deu a mim e a meu pai. Agradeço por propiciar aquele momento do lado do meu pai antes de sua despedida. Meu amor por você é eterno.


Texto de ficção, qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
Texto Retirado de http://www.flamengorj.com.br escrito por Eduardo paixao

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